O impacto das apostas online no orçamento das famílias brasileiras

Emiliano Macedo
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Nos últimos cinco anos, o Brasil testemunhou um crescimento explosivo no setor das apostas online, conhecidas popularmente como bets. Para a estrategista financeira e wealth planner Cynthya Benevides, esse fenômeno, impulsionado por aplicativos de fácil acesso e campanhas publicitárias agressivas, tem se tornado um verdadeiro desafio para o orçamento das famílias, sobretudo das classes D e E.

Estima-se que os gastos com apostas tenham crescido mais de 400% nesse período, alcançando em 2024 cerca de 15% da população brasileira. Para se ter ideia da dimensão, esse número já se aproxima dos índices de pessoas que aplicam na poupança, que gira em torno de 23%. O efeito econômico é brutal: segundo estudos do BTG e da ABRAS, o setor pode retirar do varejo entre R$ 140 e R$ 200 bilhões ao ano, drenando recursos que antes circulavam em supermercados, lojas e demais áreas de consumo essencial.

Cynthya Benevides (Foto: Divulgação)

O perfil do apostador brasileiro revela que a prática atinge majoritariamente homens (62%), com idade entre 16 e 39 anos (56%), mas também cresce entre outras faixas etárias. A escolaridade concentra-se no ensino médio completo (40%), seguida do fundamental incompleto (23%). Do ponto de vista econômico, 68% exercem alguma atividade remunerada, o que demonstra que muitos comprometem parte de seus rendimentos mensais em busca de uma promessa de retorno incerto.

O efeito sobre o consumo é imediato. Uma análise da Strategy & Brasil mostrou queda nos gastos com lazer e cultura, substituídos pela esperança de ganhos rápidos. Entretanto, a realidade é dura: apenas 23% dos entrevistados disseram ter obtido ganhos superiores às perdas. Pesquisa da SBVC revelou ainda que 63% dos apostadores afirmam ter a renda comprometida, sendo que muitos deixaram de comprar roupas (23%), itens básicos de mercado (19%) ou de realizar viagens (19%) para apostar.

A consequência natural é o endividamento. Pesquisa da CNDL mostrou que 15% dos apostadores já deixaram de pagar contas para apostar, enquanto 18% se tornaram inadimplentes, sendo que 10% ainda permanecem nessa situação. Em paralelo, estudo da FecomercioSP revelou que 20% dos apostadores usariam o dinheiro em contas básicas caso não apostassem. O cenário é ainda mais preocupante quando se observa que, entre os mais de 20 milhões de brasileiros que apostaram nos últimos 30 dias, 42% já possuem dívidas em atraso.

Para Cynthya Benevides, a falta de educação financeira é o grande combustível desse ciclo. Bilhões de reais são literalmente incinerados mensalmente, já que os sites e aplicativos exploram mecanismos emocionais, criando a sensação de “quase ganhar”, o que estimula novas tentativas. O próprio Banco Central já alertou que bancos consideram apostadores como clientes de risco elevado, com gastos que chegam a R$ 30 bilhões por mês. Sem uma ação pública voltada à conscientização, milhões de famílias terão não apenas seu patrimônio comprometido, mas também sua saúde emocional.

No campo regulatório, as medidas já avançaram, mas ainda carecem de efetividade. A Lei nº 14.790/2023, conhecida como Lei das Bets, trouxe diretrizes para o setor, complementando normas anteriores, como a Lei nº 13.756/2018, que abriu espaço para apostas esportivas no Brasil, e legislações relacionadas à lavagem de dinheiro, defesa do consumidor e proteção de dados.

Porém, para além das regras, Cynthya defende que é preciso resgatar valores e reforçar o papel do trabalho como pilar de sustento e dignidade. Ela lembra que, em diferentes passagens bíblicas, o esforço humano aparece como base da prosperidade, enquanto atalhos fáceis geralmente levam a perdas e frustrações.

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